Sandra Macedo Ribeiro | Vencedora do Prémio Crioestaminal 2005
«Este tipo de estímulos à investigação tem que continuar, pois motiva os investigadores ao mesmo tempo que agiliza procedimentos, promovendo assim a qualidade. No nosso caso concreto, sem o prémio teríamos parado. Foi a boa vontade das duas Instituições e o facto de haver alguma verba disponível mais flexível que permitiu que o projecto continuasse».
«As pessoas não fazem ideia do que se passa nos laboratórios e isso tem que mudar de alguma maneira. Parece que os nossos muros são sempre muito altos».
A primeira edição do Prémio Crioestaminal premiou o projecto de Sandra de Macedo Ribeiro, que apresentava uma proposta de investigação científica sobre a doença de Machado-Joseph, visando o estudo da estrutura da ataxina 3, proteína que quando alterada causa esta doença neurodegenerativa. Conhecer quais são essas alterações e de que modo podem ser evitadas constitui a base do projecto que venceu, em 2005, o prémio criado pela Associação Viver a Ciência e pela empresa Crioestaminal.
Descobrir os segredos por revelar das proteínas (moléculas que desempenham a maior parte das actividades nas células), nomeadamente no que diz respeito ao seu modo de operação, passa também pela determinação da sua estrutura tridimensional. É dessa estrutura que depende a sua função e também a forma como elas interagem com as outras moléculas nas células. Só identificando-a é que se pode dar o passo seguinte na busca de soluções para a doença. «Saber qual é a estrutura tridimensional da ataxina 3, qual a sua forma, permitir-nos-á compreender as alterações que esta sofre na doença e como é que podemos interferir para as evitar, intervindo assim na que acreditamos ser a primeira etapa de uma sequência que culmina na manifestação dos sintomas da doença de Machado-Joseph», revela a investigadora.
«O objectivo do projecto foi sempre estudar o comportamento da proteína normal, esperando que esta nos forneça pistas sobre o que acontece com a proteína alterada na doença. Elaborar a partir daí uma estratégia de prevenção, usando no tubo de ensaio por exemplo algum tipo de inibidor que impeça a agregação da proteína», explica a investigadora, licenciada em Bioquímica pela Universidade do Porto e doutorada em Química pela Universidade Técnica de Munique (Alemanha). Dois anos depois da apresentação do projecto, que tem a cientista para dizer sobre o rumo do projecto? «Está bem encaminhado. O projecto tem-se desenvolvido no sentido de identificar os precursores no processo de agregação da proteína alterada por expansão de glutaminas na doença de Machado-Joseph: a ataxina-3. Estamos a traçar o caminho que leva à agregação da proteína normal e a compará-lo com o que acontece com a proteína alterada na doença. O que temos constatado é que conseguimos, dentro de certos limites, controlar e regular a agregação da proteína, adicionando outras moléculas que interagem com ela». A investigadora, que também já passou pela Dinamarca (através do programa Erasmus) e que efectuou um pós-doutoramento em Barcelona, alerta, no entanto, para o carácter precoce das conclusões. «Isto é a primeira fase do projecto. Dois anos para um projecto de investigação científica é muito pouco e cada avanço dá-nos uma nova pista e ajuda-nos a definir novos caminhos de pesquisa», assume.
O Prémio Crioestaminal
«Este tipo de estímulos à investigação tem que continuar, pois motiva os investigadores ao mesmo tempo que agiliza procedimentos, promovendo assim a qualidade. No nosso caso concreto, sem o prémio teríamos parado. Foi a boa vontade das duas Instituições e o facto de haver alguma verba disponível mais flexível que permitiu que o projecto continuasse». Sandra Ribeiro refere-se ao processo de transferência do financiamento do Centro de Neurociências de Coimbra, onde o iniciou, para o Instituto de Biologia Molecular e Celular (Porto), local onde o desenvolve actualmente. A demora no processo e a «rigidez» dos financiamentos obtidos através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia teriam sido sérios obstáculos à concretização do projecto, caso não tivesse a acesso a uma verba mais elástica como é a do Prémio Crioestaminal.
A investigadora realça também a importância do prémio ao nível da divulgação e da projecção dos projectos de ciência numa escala nacional e internacional. Por um lado, ajuda a «atrair novos investigadores para estas áreas de investigação e fazer com que alguns desses investigadores fiquem em Portugal». «Na nossa área (cristalografia de proteínas) é particularmente complicado atrair jovens investigadores. É certamente um trabalho rigoroso e meticuloso, com uma base biofísica, que recorre de igual forma ao trabalho com computadores e ao trabalho laboratorial», revela Sandra Ribeiro, apontando isso como razão para muitas pessoas «fugirem um bocadinho desta área». «Por vezes os resultados tardam um pouco mais em surgir do que noutras áreas de investigação, mas há que combater a ideia de que é uma área "exótica" ou "abstracta", pois os resultados têm frequentemente um interesse transdisciplinar», complementa. Por outro, o prémio ajuda a «trazer mais optimismo à investigação realizada no nosso país». A investigadora considera importante combater o pessimismo e contrariar a ideia de que não há condições para fazer coisas em Portugal. «Não estamos a remar tanto contra a maré como as pessoas têm ideia», defende.
A divulgação do conhecimento científico e a mobilidade
É também esse espírito de divulgação que Sandra Ribeiro imprime para leccionar Biologia Estrutural na Universidade de Aveiro e colaborar na docência da disciplina de Biologia Molecular no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Universidade do Porto). «As pessoas não fazem ideia do que se passa nos laboratórios e isso tem que mudar de alguma maneira. Parece que os nossos muros são sempre muito altos», confessa. Para além disso, nem sempre há candidatos para as bolsas de investigação que se abrem na área, o que, como explica, pode parar os projectos. São algumas das razões que a fazem acreditar que «é fundamental que a investigação e a sua divulgação aconteçam».
Vive em Aveiro, trabalha no Porto, trabalhou em Coimbra, leccionou Bioquímica na Universidade do Algarve. Estudou na Dinamarca, fez doutoramento e pós-doutoramento na Alemanha, fez um segundo pós-doutoramento em Barcelona. Terá a investigadora Sandra Ribeiro alguma coisa a dizer sobre o assunto? «As pessoas têm que perceber que a mobilidade é fundamental. Eu sou totalmente a favor de que as pessoas se movam de um lado para outro e alarguem assim os seus horizontes», afirma com confiança.
A doença de Machado-Joseph
A doença de Machado-Joseph, também designada ataxia espinocerebelosa tipo 3, é uma doença neurodegenerativa rara, descrita pela primeira vez nos anos 70 em descendentes de açorianos e para a qual não existe ainda nenhum tratamento eficaz. Esta doença hereditária, associada a sintomas de ataxia (ausência de controlo muscular e falta de coordenação nos movimentos do corpo), encontra-se distribuída por todo o mundo, mas tem uma especial prevalência nas ilhas açorianas de S. Miguel e das Flores.
A origem desta doença encontra-se numa alteração de um gene, localizado no braço longo do cromossoma 14. Os genes constituem os moldes que determinam a construção do corpo humano, armazenando a informação para a síntese das proteínas. No gene alterado na doença de Machado-Joseph, identificou-se uma região com uma repetição do tripleto CAG (citosina, adenina e guanina), que resulta na repetição do aminoácido glutamina na proteína, ataxina-3, codificada por este gene. O número de vezes que este tripleto se repete varia entre 12 e 40, em indivíduos normais. A doença de Machado-Joseph ocorre como resultado duma expansão dessa repetição para além das 55 vezes. Assim, esta doença insere-se no grupo das doenças resultantes de expansão de poliglutaminas.
A ataxina-3 alterada por expansão de glutaminas deposita-se sob a forma de fibras de amilóide. No entanto, os gravíssimos sintomas da doença de Machado-Joseph começam a manifestar-se muito antes, durante um período muito prolongado em que os neurónios continuam vivos mas não funcionam devidamente e ainda não são visíveis os depósitos de ataxina-3. Por esse motivo, o projecto de investigação tem como objectivo identificar e caracterizar as várias etapas que levam à deposição da proteína de forma a posteriormente estabelecer estratégias terapêuticas capazes de combater a doença numa fase precoce.
* Artigo publicado em 2007